Rito Brasileiro, Nacional e Diferente
É
enganoso apreciar um rito maçônico reduzindo-o à ritualística dos graus
simbólicos. Um rito, para ser efetivamente compreendido, deve ser
estudado sob amplos aspectos: origens, história, doutrina, métodos
didáticos e, claro, ritualística (mas não apenas ritualística). Havendo
altos graus – estes não podem ser desprezados.
Por
exemplo: o Rito Brasileiro de Maçons, Antigos, Livres e Aceitos:
distingue-se por certas particularidades doutrinárias, manifestadas nos
métodos e meios de estudos próprios que emprega nos altos graus. Nos
graus simbólicos segue a tradição maçônica, ortodoxamente, sem
diferenças significativas para os ritos constituídos no seio do
escocesismo e sofre (como os demais ritos-irmãos) a influência da
confusão de rituais (não de ritos). Desse modo, uma apreciação do Rito
Brasileiro, limitada aos rituais dos três primeiros graus, estará
sujeita ao erro de não encontrar diferenças entre esse rito, formado no
Brasil, e seu co-irmão ou tronco, o Rito Escocês Antigo e Aceito, com
raízes na França.
O
Rito Brasileiro tem por fundamento o Apelo de um Século, segundo nome
empregado por Álvaro Palmeira, posto que, formulado em 1834, só seria
atendido em 1968, quando o Rito, após a criação em 1914, teria sua
implantação vitoriosa. Todos conhecem, mas convém repetir. Naquele ano
foram publicados, em português, os quatro pequenos volumes da Biblioteca
Maçônica ou Instrução Completa do Franco-Maçom (do maçom Miguel Antônio
Dias, pseudônimo, Um Cavaleiro Rosa-Cruz), na realidade rituais do Rito
Francês destinados ao Grande Oriente Lusitano, como nos informa Kurt
Prober na apresentação do excelente Rituais Maçônicos Brasileiros
(Joaquim da Silva Pires – Londrina: Ed. Maçônica A Trolha, 1996, p.19).
No prólogo da Biblioteca – apelo especial aos portugueses e brasileiro:
“(…)
a fazer um Rito novo independente que, tendo por base os Graus
Simbólicos e comuns a todos os ritos, tenha contudo os altos graus
misteriosos diferentes e nacionais”.
Eis
o fundamento doutrinário: um rito novo e independente, tendo por base
os mesmos graus simbólicos comuns a todos os ritos, mas os altos graus
diferentes e nacionais, formulando uma didática maçonicamente inovadora
que, sem desprezar o valioso instrumental de lendas, ritualísticas e
símbolos tradicionais da Maçonaria, adota métodos e meios próprios,
proporcionados pelo Século.
Assim
a justificativa da existência e da denominação do Rito Brasileiro não
se procede pelo exame dos rituais dos graus simbólicos. Efetivamente não
existem diferenças formais significativas na ritualísticas dos graus
simbólicos. A justificativa se encontra nos altos graus e nas diferenças
doutrinárias manifestadas desde os graus simbólicos. O Rito, criado em
nossa pátria, tem existência inovadora, sim, constituindo-se em
significativa via de progresso à Ordem Maçônica, que não pode ficar
vinculada a idéias ou a diretrizes de organizações estrangeiras. Para
entender e justificar o Rito Brasileiro, deve se conhecer a didática dos
seus altos graus.
Nos
graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro, Mestre Maçom), o Rito
Brasileiro segue, ortodoxamente, a Maçonaria tradicional. Tal postura é
necessária à regularidade universal e do Compasso; a fórmula do Suprem
Arquiteto do Universo (assim se diz no Rito: Supremo e não apenas
Grande); a lenda do terceiro grau; os diálogos estereotipados (Templo
coberto, todos os presentes maçons, etc.); acendimento de luzes,
transmissão da palavra, etc., e isso, aparentemente, conduz a uma
indiferenciação e, sem dúvida alguma (efeito dos tempos em que
ritualístico de ritos diversos, assim presentes, em seus rituais,
elementos do Rito Escocês Antigo e Aceito, do Rito Adonhiramita e do
Rito de York, segundo o Ritual de Emulação.
Contudo,
nos altos graus, é um rito novo e independente, por dois princípios:
primeiro, conciliar tradição e evolução; segundo, conciliar Razão e Fé.
Nos
três primeiros graus, a ortodoxia maçônica (tradição). Além do grau
três, método e doutrina próprios (evolução), segundo duas diretrizes:
uma, estudar os magnos assuntos de interesse da Pátria e da Humanidade,
empregando as ferramentas do Século (Ciência, Filosofia, Arte, Teologia,
etc.), diminuindo a influência do tradicional método didático maçônico
de lendas, símbolos e alegorias: outra, emprestar, a cada estudo, a
cultura local. Se bem observado, só da consideração desse princípio
(conciliar tradição e evolução), com suas duas diretrizes (“ferramentas
do Século” e cultura local), bem se vê como se distingue o Rito que,
inclusive, com as mesmas diretrizes, pode ser adotado universalmente.
Segundo:
conciliar Razão e Fé. Sim, no Rito Brasileiro há preocupação em se
eliminar excessos de superstição que tantas vezes enredam os ritos
maçônicos. O Rito declara-se teísta, o que significa afirmar a
existência de Deus e afirmar a Providência e Revelação Divinas. Um maçom
que pratica o Rito Brasileiro, se bem compreendeu o método, dedica-se a
Deus, por meio da Teologia e da Liturgia, e não da magia ou da
superstição. O tema é longo: exige estudo e reflexão.
Enfim,
o sistema de 33 graus pode parecer mera cópia afrontosa. Apenas parece,
não é. Adotou-se o sistema de 33 graus como continuidade de uma forma –
de imenso prestígio no Brasil maçônico do Século XX – fórmula que (no
entendimento dos maçons que praticam o Rito) precisa ser atualizada com o
Século, mas conserva uma índole e um carisma que não podem ser
desprezados. Tantos e tantos comportamentos humanos, anotados pela
Sociologia e pela Ciência em geral, procedem pelo mesmo método: adotar o
anterior, atualizando-o com a época ou as necessidades. Não há a
preocupação de ser original. Preocupa-nos a eficiência.
Assim,
irmãos, não tenhamos medo da História. O Rito Brasileiro de Maçons,
Antigos, Livres e Aceitos, criando, mas ainda em formação em nossa
Pátria, possui um sistema doutrinário fortíssimo, muito bem estruturado,
apto à atender às necessidades dos séculos vindouros. Temos o poder das
soluções locais, independentemente do que possa ser ditado por órgãos
estrangeiros; temos o uso das ferramentas do século e o orgulho de
sermos brasileiros, capazes de formular (sem romper com a tradição)
doutrina própria. Velha lição francesa, divulgada pelo mestre Álvaro
Palmeira: a Maçonaria não tem pátria – o maçom a tem. Os Séculos
vindouros dirão.
Fernando de Faria (Rio, Vila Izabel, julho de 1996)